Eis uma irretocável obra didática do Direito Penal. Somente uma ininterrupta amizade, de quase trint'anos, entre a autora e o prefaciador, poderia permitir que um estudioso do direito constitucional e tributário, com fugidias incursões no direito civil de Orlando Gomes, viesse a tocá-la, nessa circunstância - a de redigir este prefácio. A autora, de espírito magnânimo, confiou, assim, que o seu amigo esforçar-se-ia em reaver um seu projeto de criminalista que o fez atuar no júri, por pouco tempo que fosse, bem assim revisar os seus estudos do Direito Penal quando de suas aulas do mal denominado "Direito Tributário Penal", que lhe coube lecionar, por alguns semestres, nesses seus mais de trint'anos, na tradicional "Casa de Orlando Gomes" - a Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Justificadas, para o leitor, as razões dessa minha ingerência em seara na qual já transitei, como mero curioso, atendo aos apelos do afeto, pois o "afetivo é o efetivo na vida". A autora, conhecia carinhosa esposa do meu amigo Amil e mãe extremosa de filhos a que considero sobrinhos: Ana Carla e Otávio César. Essas suas qualidades que exprimem sua ética estão marcadas a ferro e fogo na sua atuação profissional composta de faces de uma mesma moeda, as do magistério e da magistratura - o professor é um juiz porque ao lecio¬nar tem de julgar o desempenho do destinatário de suas lições; o juiz é um professor, na medida em que a função de julgar impõe-lhe a individualização da lei, a qual ele faz efetiva para cada ser humano que habita os respectivos pólos da demanda. Sônia Carvalho de Almeida Maron está, perfeitamente, cunhada nessa moeda. Este livro é o atestado dessa assertiva. Repito: ele é uma irretocável obra didática do Direito Penal porque instrui o iniciante dos estudos jurídicos específicos e ensina, eficientemente, o iniciado a trabalhar a instituição e o instituto jurídico da legítima defesa. Com maestria, a autora, nos cinco capítulos, ensina porque o tema trata de uma instituição e de um instituto jurídicos. O primeiro desses caracteres do tema está descrito desde a formação histórica da idéia de antijuridicidade e da ideia de legítima defesa. Lembra que inexiste sociedade, no tempo, em cujo espaço o crime inexista. É a máxima de Lombroso dita com originalidade. Fixa na doutrina cristã acerca da história de Adão, Eva, Caim e Abel o marco das transformações entre a juridicidade da mann gegen mann a vingança, o talião dos germanos, povos indo-europeus do noroeste da Europa e a antijuridicidade inspirada no Direito Canônico, ainda que o Êxodo - o segundo livro de Moisés - nas leis acerca da propriedade, estabeleça em 22.2: "se um ladrão for achado arrombando uma casa e, sendo ferido, morrer, quem o feriu não será culpado do sangue". Nas leis acerca da violência há outro sinal: 21.12 e 21.13 - "quem ferir a outro de modo que este morra, também será morto. Porém, se não lhe armou ciladas, mas Deus lhe permitiu caísse em suas mãos, então te designarei um lugar para onde ele fugirá". A doutrina cristã dá, assim, o tempero. Nem bem a prerrogativa da defesa da vida própria da vítima/autora do delito (?!), nem, propriamente, um direito de vingança. É ela que introduz, nestes termos, o moderamen inculpatae tutelae. O tema assim, da legítima defesa, como instituição, é exaurido pela Dra. Sônia Maron, com precisão, no item 3.5. É por essa trilha que não lhe escapam a fundamentação e os requisitos de legítima defesa. Muito menos, a sua diferenciação de institutos afins ou a sua classificação. Nesse tom cuida-a, também, como instituto que é. A fundamentação, apesar de tão vasta na doutrina do Direito Penal, está, de modo claro, colocada, na opção da autora, em duplo fundamento, o da necessidade de defender bens jurídicos perante uma agressão e o da defesa do próprio ordenamento jurídico (cf. item 2.2). Assim, não só a defesa do próprio corpo, a vida, mas, a de outros bens, sejam materiais, sejam incorpóreos; o patrimônio moral, por exemplo. O livro, então, sintetiza nessas considerações uma pletora de teorias que foram listadas por G. Penso (cf. La Difesa Leggitima): a da falta de antijuridicidade do delito; a do instinto; a do exercício de função pública; a da colisão de direitos; a da defesa pública subsidiária; a da coação moral. Esta obra reduz-as a duas, fazendo-o muito bem explicadas e suficientes para o entendimento da matéria. Os requisitos constituem o conteúdo de todo o capítulo III. Linhas atrás, louvei a análise do excesso culposo, feita por este livro ao gizar o requisito do uso moderado dos meios necessários. Agora, lembro que não lhe escaparam o estudo da injusta agressão, o da necessidade atual, dentre outros examinados nesse capítulo III. O estado da necessidade, também, fundamentado na qualidade inata de conservação, sob um certo ângulo, é uma legítima defesa, mas, dessa se difere porque nele inexiste o requisito da agressão injusta. Impõe-se, por isso, fazer a diferenciação, como se encontra no item 4.1. O leitor não poderá dispensar de fixar esse aspecto do texto. Bem assim, não poderá perder o exame objetivo da legítima defesa putativa que a autora propicia no item 3.1, resgatando um clássico do Direito Penal brasileiro, o Ministro Nelson Hungria, que pontificou no Supremo Tribunal Federal e é autor citado, desde o meu tempo, até o tempo de hoje. Fala-se, enfim, de legítima defesa: própria; de terceiro; da honra; putativa. O livro não deixa qualquer delas sem estudo. Fiz, até aqui, o estimulante, para que o leitor fique com água na boca e se apresse a degustar o boníssimo trabalho que a capacidade intelectual e cultural da autora elaborou para saciar o apetite aprimorado de quem busca boa literatura jurídica. Leia-o. É seu. Edvaldo Brito Professor Emérito da Universidade Mackenzie